UDESC NA LUTA – Sindicância contra a Greve Geral

UDESC NA LUTA – Sindicância contra a Greve Geral

 

14 de junho de 2019. Os primeiros raios de sol surgiam, iluminando as palmeiras e descortinando a deslumbrante vista do conjunto de morros da Serra Córrego Grande, que cerca o campus 1 da Universidade do Estado de Santa Catarina, no bairro Itacorubi em Florianópolis. Após uma noite de vigília e das deliberações anteriores que formalizaram o movimento, a Associação de Professores da UDESC (APRUDESC), o sindicato dos trabalhadores da instituição (Sintudesc) e estudantes representantes de diversos Centros Acadêmicos, esperavam que a paralisação ocorresse de forma tranquila, devido à ausência de transporte coletivo na capital. Enquanto raiava a linda manhã de outono, nos portões de acesso, professores, técnicos e estudantes se empenhavam em dialogar com os trabalhadores que chegavam na intenção de desempenhar suas funções. Não demorou, alguns servidores comissionados começaram a  pressionar pela liberação da entrada no campus.

Por volta das 11h00, no entanto, a situação se tornou mais tensa. A procuradora da instituição, Juliana Lengler Michel, chegou ao local visivelmente irritada com o bloqueio dos portões. Ainda dirigindo seu automóvel, filmava o acontecimento em atitude de intimidação aos grevistas. O acesso às dependências do campus seria liberado por volta das 14h30, o que já havia sido determinado pelo movimento com antecedência, a fim de possibilitar a participação no ato unificado que ocorreria naquela tarde. Na sequência, versões diversas do conflito começaram a circular entre a comunidade acadêmica por meio de aplicativos de mensagens instantâneas, acirrando o ânimo de alguns envolvidos e disseminando o clima de retaliação aos envolvidos diretamente na paralisação da Greve Geral.

Alguns dias depois, para a surpresa de todos, veio a notícia de que a Reitoria da UDESC determinava a abertura de um processo de sindicância a fim de apurar os responsáveis pelo ocorrido. Técnicos, professores, alunos e demais colaboradores tomaram conhecimento do fato por e-mail ou pela nota oficial divulgada então. Pela primeira vez na história da universidade, uma decisão desse tipo foi comunicada à comunidade publicamente.

Associação dos Professores, Sindicato dos Técnicos e entidades estudantis em reunião com o Reitor, Marcus Tomasi. Foto: Divulgação

O Movimento

O histórico recente de mobilização política na UDESC é consistente. A Associação de Professores, criada no contexto da greve dos professores em 2002, se estruturou como sindicato na luta pela autonomia universitária da Universidade do Estado de Santa Catarina, com estatuto próprio e direito a destinação orçamentária por percentual da arrecadação do Estado. Foram essas conquistas, consolidadas na sua Estatuinte de 2003, que garantiram os planos de carreira com isonomia, e órgãos de representação e cargos eletivos nas diversas instâncias do poder acadêmico. “Infelizmente o reitor assume a iniciativa como dele, dizendo que o direito constitucional de ir e vir foi desrespeitado” – declara Rafael Rosa Hagemeyer, presidente da APRUDESC – “No entendimento da nossa assessoria jurídica isso não se aplica em caso de greve, levando em consideração que no interior da ocupação não ocorreu nenhum incidente, e que a mesma foi levantada às 14:30 horas para que os ocupantes se deslocassem para a grande manifestação que ocorreu no centro da cidade naquele dia. O portão foi reaberto e o expediente da reitoria funcionou normalmente no restante do dia, não havendo prejuízo para a universidade de forma alguma e, portanto, não há fato a ser investigado”, complementa.

 

Danilo Ledra, presidente do Sintudesc. Foto: Arquivo

A abertura da sindicância também surpreendeu aos técnicos. A participação deles, de professores e também dos alunos já havia sido acordada e reafirmada com a Reitoria em duas oportunidades, a primeira em 23 de maio, durante a audiência pública sobre o corte de recursos para a universidade proposto pelo governador Carlos Moisés, realizada na Assembleia Legislativa e a segunda no dia 7 de junho, quando inclusive foi entregue uma carta aberta ao reitor Marcos de Tomasi. O presidente do Sintudesc, Danilo Ledra conversou com o setor de imprensa do Sintespe, e explicou que, enquanto a ameaça de corte no orçamento era uma realidade, a ação conjunta entre técnicos, professores e alunos foi mantida. Assim que o impasse referente ao duodécimo foi superado, a tratativa da reitoria mudou drasticamente. Isso ficou evidente na segunda quinzena de junho, quando a reitoria se posicionou de maneira favorável à diminuição do valor da hora-atividade para os professores substitutos e de forma igualmente insatisfatória em relação à autonomia que a universidade deve exercer sobre o cálculo do VRV (Valor Referencial de Vencimento) dos servidores.

Nota divulgada pela Reitoria

A postura do reitor gerou ainda mais indignação entre os alunos. O movimento estudantil, vanguarda nas manifestações dentro e fora dos campi da UDESC, repudiou os excessos e há quem fale em traição. “Agora a reitoria quer uma sindicância contra os responsáveis pela paralisação. Será que se refere à todos nós que lotamos as assembleias e votamos a favor da greve, nós que uma semana antes lutamos pela própria preservação da UDESC frente à um corte tirânico de 40% no nosso orçamento?” – questiona Vinícius Galante, aluno participante do Movimento Estudantil de Música (MEMU).

Após a abertura do processo de sindicância e de sua divulgação dentro da comunidade, tanto a Aprudesc quanto o sindicato e também estudantes da UDESC se pronunciaram em notas e criaram um abaixo-assinado contra a criminalização do movimento de greve. Além disso, foi entregue uma carta aberta ao Reitor, assinada também por diversas entidades em apoio ao movimento, entre elas o SINTESPE.

A Reitoria

Procurado, o Reitor Marcus Tomasi parece minimizar a questão. “A Administração Central da Udesc sempre atuou com transparência, retidão e seriedade no relacionamento com o movimento associativo de professores e técnicos da Udesc”, declara. Mesmo assim, ao ser questionado sobre os fatos ocorridos no 14 de junho, prefere apenas se reservar e aguardar a apuração dos fatos por meio da sindicância. O processo tramita com restrição de acesso não podendo, portanto, ser verificado o teor do mesmo.

Para Rafael, a discussão acerca da legitimidade do direito de acessar as dependências de um local em regime de greve não pode ser objeto de um processo de sindicância. “Em primeiro lugar, o ‘direito constitucional de ir e vir’ se refere apenas às vias públicas, não a empresas e repartições públicas ou privadas”, observa. E salienta que “…sob o anúncio de greve, o direito ficou relativizado, em função da segurança e da integridade física dos grevistas e dirigentes sindicais. O ‘desejo individual’ de trabalhar contradiz, portanto, a vontade dos companheiros que legalmente decidiram pela greve geral. Se alguém entrasse para trabalhar, alguém também teria que zelar pela segurança, pela limpeza, para abrir as portas, garantindo todas as condições de funcionamento do prédio para que alguns servidores pudessem trabalhar nesse dia porque escolheram não fazer greve, não respeitando a decisão coletiva.”

Já Danilo ressalta que a tentativa de dificultar a mobilização sindical dentro da UDESC não é recente. Tradicionalmente há uma oposição por parte de servidores comissionados no âmbito da Universidade. Após o breve momento de “união” na questão do duodécimo, a situação voltou ao normal: “A Reitoria trabalha diuturnamente contra o sindicato. Se por um lado mostra  disposição para sentar e negociar, por outro sempre há algum servidor comissionado instigando e criticando as nossas ações. Mesmo na assembleia de criação, em 2013, havia um grupo de técnicos lá tentando barrar

13 de agosto

Seja como for, o processo, sem movimentação desde 26 de junho, permanece gerando a tensão inerente a situações como essa. Às vésperas de uma nova grande mobilização, no dia 13 de agosto, os servidores da UDESC aguardam há 120 dias o reajuste de 7,2% já aprovado no Conselho Universitário em março e encaminhado ao governo do Estado que nada fez desde então. Em relação aos docentes, a proposta de redução das horas-atividade foi arquivada, mas pode ser pautada novamente a qualquer momento. É nesse cenário que a convocação do Dia Nacional de Mobilização, a chamado da CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e da União Nacional dos Estudantes – UNE, vem de encontro aos anseios dos professores, técnicos e estudantes da UDESC.  Independente disso, a instauração do procedimento investigativo acabou por catalisar e dar visibilidade ao movimento para além dos muros da Universidade, sensibilizando outras entidades que se somam às lutas pela Educação Pública, Previdência Social e contra as políticas de destruição dos direitos.