Entrevista com a diretora sindical Sayonara Pessoa: Todo nosso repúdio ao deputado estadual Jessé Lopes

Entrevista com a diretora sindical Sayonara Pessoa: Todo nosso repúdio ao deputado estadual Jessé Lopes

O deputado estadual Jessé Lopes (PSL/SC), em declaração machista publicada em suas redes sociais no início deste mês, demonstrou ter uma mente tacanha e ser um completo equivocado, que não merece o cargo que ocupa. Ao tentar plantar uma dúvida sobre a veracidade dos fatos que levaram uma mulher a ficar o tempo que lhe resta de vida em uma cadeira de rodas, Jessé Lopes insinua que o agressor teve motivos para fazer o que fez. “É repugnante que um parlamentar tenha trazido a público o ex-marido de uma pessoa que foi violentada e quase morta em razão do machismo. Chega a ser asqueroso e assustador, porque revela o quanto as nossas estruturas ainda são machistas, patriarcais, misóginas e se perpetuam na sociedade”, desabafa a diretora de formação sindical do SINTESPE, assistente social Sayonara de Araújo Pessoa.
A atitude do parlamentar incentiva o descumprimento da lei. Quando se delega aos políticos a possibilidade de formular projetos que se transformem em leis pelo Executivo, o objetivo é que tenhamos um estado brasileiro que combata a violência doméstica no Brasil, por isso é tão importante nos indignarmos com a postura do parlamentar Jessé Lopes. “Este deputado envergonha a sociedade”, prossegue Sayonara, que também integra o Coletivo Feminista “Filhas da Luta”, em Araranguá- SC. “Sou mãe, tenho filhas, quero proteção a elas e um serviço público que garanta atendimento às mulheres, tanto as vítimas de violência, como em políticas de prevenção que discuta relacionamentos sadios entre homens e mulheres, em todas as áreas”, acrescenta, reforçando que “é preciso valorizar a mulher e o homem juntos, não sobrepondo o homem em relação à mulher, e isso tem que começar na discussão sobre gênero, nas escolas”, defende.

Liberdade de expressão

Na avaliação de Sayonara Pessoa, a liberdade de expressão está colocada em xeque e de maneira desvirtuada. “A liberdade de expressar pensamento e opinião é assegurada na Constituição Federal, desde que seja para a proteção das pessoas e não para referendar a violência”, protesta a dirigente do Sintespe. Há uma distorção de valores quando vem à tona essa fala machista, preconceituosa de um deputado contra as mulheres. O deputado considera “intrigante” a história de um homem que, “no primeiro momento, tentou matar a ex-mulher, depois, a encarcerou por 15 dias e, ao final, tentou eletrocutá-la”. Sayonara lembra que Maria da Penha teve de recorrer às cortes internacionais para pedir proteção, já que a lei brasileira não deu respaldo, naquele momento.

Observatório da Violência Contra a Mulher

“Quando a gente usa a tal liberdade de expressão e apoia figuras violentas como essa que foi o ex-marido de Maria da Penha, estamos indo na contramão da história”, critica Sayonara. O “Agosto Lilás” é momento de reflexão sobre o aumento de feminicídios no país, em Santa Catarina de maneira especial. O lançamento do site “Observatório Estadual da Violência Contra a Mulher” aconteceu no final do mês de março de 2021, justamente para marcar que Santa Catarina é um dos estados mais feminicidas do Brasil. “O Observatório é fruto da luta de base das mulheres dos movimentos sociais”, atesta Sayonara.

Atendimento gratuito a mulheres de baixa renda

A partir da Lei Maria da Penha, uma parceria entre a Delegacia de Proteção à Mulher, Criança e ao Idoso de Araranguá, Promotoria do Ministério Público, Varas Cível e Criminal da OAB de Araranguá, vem realizando o atendimento jurídico gratuito a vítimas de violência doméstica na Comarca de Araranguá. O trabalho é pioneiro na região da Amesc (Associação dos Municípios do Extremo Sul catarinense) e integra o Projeto “OAB por Elas”, voltado a vítimas sem condições financeiras. Divórcio, alimentos, guarda, ingresso de queixa crime, ações penais privadas para crimes como injúria, difamação, calúnia, são alguns dos atendimentos disponibilizados pelo Projeto.
Integrante da Secretaria das Mulheres do PT/SC, Sayonara também destaca o projeto desenvolvido pelo Coletivo Feminista “Filhas da Luta”, em Araranguá- SC: “Nesse momento, o Projeto está voltado à questão da pobreza menstrual, em razão da falta de poder aquisitivo para mulheres adquirirem produtos de higiene”, conta a dirigente do Sintespe. No dia 18 de setembro, o Projeto estará em um condomínio de baixa renda, com 250 famílias, em Araranguá, para atender a mulheres na faixa etária dos 11 aos 20 anos. “Queremos uma política de proteção, é isso que o deputado Jessé Lopes deveria estar fazendo e não defendendo o agressor da Maria da Penha”, conclui.

 

Lei 11.340/2006

Batizada de Maria da Penha, a Lei é um importante símbolo da luta contra a violência doméstica no Brasil. Maria da Penha Fernandes sofreu duas tentativas de homicídio de seu companheiro. Não morreu, mas sofreu graves sequelas. O caso foi mais um exemplo de impunidade. O agressor foi preso por apenas dois anos após quase duas décadas do crime, com intervenção da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, da OEA. Revoltada com o ocorrido, Maria da Penha se juntou a movimentos sociais e decidiu compartilhar sua experiência no livro “Sobrevivi… posso contar” (Fonte: www.unifem.org.br).

Quem foi Maria da Penha Fernandes

A farmacêutica Maria da Penha quase foi assassinada por seu então marido. Os fatos aconteceram em 1983, a primeira tentativa foi com o uso de arma de fogo e a segunda por eletrocussão e afogamento. Esses episódios causaram lesões irreversíveis à saúde de Maria da Penha. Apesar de condenado em dois julgamentos, o autor da violência não havia sido preso devido aos sucessivos recursos de apelação. Em 2001, após 18 anos da prática do crime, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o estado brasileiro por negligência e omissão em relação à violência doméstica e recomendou várias medidas em relação ao caso concreto de Maria da Penha e em relação às políticas públicas do Estado para enfrentar a violência doméstica contra as mulheres brasileiras. Por força da pressão internacional de audiências de seguimento do caso na Comissão Interamericana, em 2002 o processo no âmbito nacional foi encerrado e em 2003 o ex-marido de Maria da Penha foi preso. (Fonte: www.patriciagalvao.com.br)